Artigo Disponível na Revista Mosaico, nº 2, páginas 295-310, 2016.
Por Ariane Silva Rabelo.
UMA VISÃO HISTÓRICA
SOBRE A EDUCAÇÃO DE SURDOS: DO IMPENSANTE GREGO À LUTA PELO DIREITO À ESCOLA
BILÍNGUE
Ariane Silva RABELO[1]
Marcos SERZEDELLO[2]
RESUMO: No decorrer da
história, as possibilidades de Educação de Surdos envolveram duas abordagens
pedagógicas que são discutidas até os dias atuais: o oralismo e a Língua de
Sinais (Bilinguismo). Este artigo é uma pesquisa bibliográfica e documental
sobre a história da surdez, a partir das civilizações antigas até as luta atuais da comunidade surda para divulgação de
sua cultura, da Língua de Sinais e o direito ao acesso de ensino bilíngue
público e de qualidade.
UNITERMOS: Educação de alunos
Surdos; Educação Especial; Educação.
I
- O surdo sob a perspectiva da História da Humanidade
Podemos estimar que desde o início da
existência humana nasceram pessoas com
deficiência. Pessoas que se diferenciaram das demais por falta ou perda de
alguma de suas faculdades, sejam elas motoras, sensitivas ou intelectuais.
Segundo Oliveira (2012), há registros de
que na antiguidade cometiam-se práticas discriminatórias contra bebês e
crianças com deficiência, sendo acusados os chineses de arremessá-los ao mar;
os espartanos de lançá-los do alto de rochedos; e, ainda, estima-se que
inúmeras crianças tenham sido oferecidas em sacrifício nos cultos gauleses.
Com os hebreus, em suas leis escritas na
Torá, encontra-se, pela primeira vez, referência à população surda, no seguinte
trecho: "Quem dá a boca ao homem? Quem o torna mudo ou surdo, capaz de
ver ou cego? Não sou eu, Javé?"(Êxodo, 4:1). Oliveira (2012) explica
que nesses trechos é possível observar que a deficiência representava a vontade
de Deus e era comum acreditar na cura da surdez pelas mãos d’Ele.
As primeiras reflexões acerca da surdez, do
ponto de vista filosófico e não mais puramente religioso, foram construídas na
Grécia antiga, quando dois grandes filósofos, Sócrates e Aristóteles,
apresentaram suas opiniões sobre o assunto. Segundo Moura (2000), Sócrates (469
A.C. - 399 A. C.) se questionava se, sem linguagem oral, a pessoa surda
poderia, por exemplo, transmitir o que sente através de suas mãos, pés, cabeça
e outras partes do corpo. O pensamento de Sócrates é o que chega mais próximo
das definições atuais que reconhecem a Língua de Sinais como meio de
comunicação da pessoa surda, parte integrante de sua cultura.
Em contrapartida, para Aristóteles (384
A.C. - 322 A.C.), os indivíduos surdos eram considerados incompetentes por não
apresentarem linguagem oral e, para ele, a expressão dos pensamentos era o que
atribuía a condição humana ao indivíduo e, no caso dos indivíduos surdos, isso
não seria possível, uma vez que eles não apresentavam oralidade (fala).
Moura (2000) relata que, na Roma antiga,
os surdos eram privados de seus direitos legais, tidos como incapazes de
gerenciar seus atos e sendo chamados de “retardados”, perdendo assim sua
condição mais básica de ser humano. A autora afirma que, por muito tempo, a
Igreja Católica acreditava que a alma dos indivíduos surdos não poderia ser
considerada imortal, já que não podiam recitar os sacramentos.
Oliveira (2012) afirma que os indivíduos
surdos eram considerados pessoas impuras e condenadas por Deus, tendo como
castigo a doença ou diferença física, a fim de que pudessem “pagar por seus
pecados”.
A partir da criação do Cristianismo
enquanto religião oficial dos povos europeus e com a propagação dos valores
judaico-cristãos, as pessoas com deficiência passaram a ser vistas pela igreja
e sociedade de uma forma mais humana. Dessa forma, os diferentes não eram mais
considerados impuros, nem carregavam sobre si o castigo de seus pecados.
Logo, a religião abriu caminhos para
discussão acerca da humanização da pessoa com deficiência, que se intensificou
anos mais tarde, no período da Idade Média, em que muitos religiosos da época
interessaram-se pela Educação de Surdos para que eles pudessem conhecer a
"palavra" de Deus.
Na Idade Média, a impossibilidade da fala
implicava que indivíduos surdos de famílias nobres não tivessem direito a
receber fortuna e o título familiar e, por esse motivo, essa é considerada umas
das primeiras iniciativas de Educação de Surdos.
Registros históricos apontam que origem da
Educação de Surdos teve início no século XVI com o monge beneditino Pedro Ponce
de Léon (1520 - 1584) que, segundo Moura (2000), foi considerado o primeiro
professor de surdos da história, cujo trabalho serviu de base para diversos
outros educadores de surdos que o sucederam.
Seu
trabalho (Léon) não apenas influenciou os métodos de ensino para surdos no
decorrer dos tempos, como também demonstrou que eram falsos os argumentos
médicos e filosóficos e as crenças religiosas da época sobre a incapacidade dos
surdos para o desenvolvimento da linguagem e, portanto, para toda e qualquer
aprendizagem. (LODI, 2005, p.411)
Lodi (2005) relata que no tempo de Léon,
apenas os indivíduos surdos filhos de nobres buscavam educação (principalmente
o desenvolvimento da fala), caso contrário, não teriam direito à herança e aos
títulos da família. Plann (1993, apud Lodi, 2005) ressalta o fato de que os
monges do Monastério de Oña, na Espanha (ao qual Ponce de Léon pertencia),
faziam voto de silêncio e, para se comunicarem, empregaram um sistema manual de
comunicação inventado pelo próprio monastério. Dessa forma, Léon utilizou os
sinais como instrumento de comunicação para o desenvolvimento da Educação de
Surdos. Ensinou-os a falar, escrever, rezar e estudar o Cristianismo.
Além de Léon, outro importante personagem
desse momento histórico foi o médico Giordano Cardano (1501-1576), que
teorizava que a audição e o uso da fala não são indispensáveis à compreensão
das ideias, como se imaginava, e que a surdez é mais uma barreira à
aprendizagem do que uma condição mental.
Cardano (1501-1576) também defendeu a
possibilidade dos indivíduos surdos se comunicarem através de leitura e
escrita, logo, sustentava a ideia de que o surdo era um ser pensante, capaz de
receber e emitir informações:
É
possível dar a um surdo-mudo condições de ouvir pela leitura e de falar pela
escrita [...] pois assim como diferentes sons são usados convencionalmente para
significar coisas diferentes, também podem ter essa função as diversas figuras
de objetos e palavras. [...] Caracteres escritos e ideias podem ser conectados
sem a intervenção de sons verdadeiros. (Cardano in Sarcks, 2010, p.28)
Por volta de 1760, o francês Charles
Michel de L’Epée (1712-1789) criou o Instituto Nacional para Surdos-Mudos[3], em Paris, a primeira
escola pública para Educação de Surdos no mundo. Souza (2000) relata que o
Instituto desfez da educação individual para a coletiva e, também, deixou de
privilegiar somente famílias que pudessem arcar com educação particular,
estendendo a possibilidade de educação para indivíduos surdos que não podiam
pagar por estudos.
L’Epée foi um grande defensor da Língua de
Sinais como linguagem própria do indivíduo surdo e questionava sobre a real
utilidade da fala, pois o treinamento da fala tomava muito tempo dos
professores.
Sacks (2010), em seu livro Vendo Vozes
– Caminhos para uma nova identidade faz uma reflexão acerca da
oralização de surdos próxima ao pensamento de L’Epée:
Se o
ensino da fala é árduo e ocupa dezenas de horas por semana, suas vantagens não
seriam contrabalançadas por aquelas milhares de horas retiradas da educação
geral? O resultado não acabaria sendo um analfabeto funcional que, na melhor
das hipóteses, disporia de uma pobre imitação da fala? O que é
"melhor", integração ou educação? Seria possível ter os dois,
combinando a fala e a Língua de Sinais? Ou qualquer tentativa de uma combinação
assim faria emergir não o melhor, mas o pior de ambos os mundo? (SACKS, 2010,
p.34)
Ainda na mesma época, outros estudiosos
queriam descobrir causas visíveis para a surdez. O médico francês Jean-Marc
Itard, constatou, como outros já haviam feito antes dele, que a causa da surdez
não podia ser detectada visualmente.
Para realizar seus estudos, o médico dissecou
cadáveres de indivíduos surdos e experimentou diversos procedimentos, tais como:
aplicar cargas elétricas nos ouvidos de surdos; usar sanguessugas para provocar
sangramentos e furar as membranas timpânicas de alunos (tendo um deles morrido
por esse motivo).
Moura (2000) coloca que com o decorrer do
tempo o papel do indivíduo surdo muda na sociedade:
A
surdez, vista como um problema fisiológico, religioso e social, passa à outra
esfera, que tenta por todas as formas passíveis entendê-la para tratá-la,
transformando o surdo num doente. (MOURA, 2000, p. 26)
Para Moura (2000), o médico nunca aprendeu
a Língua de Sinais e acreditava que o treinamento da fala tornaria o indivíduo surdo
mais "humanizado", dessa forma, defendeu arduamente que se o indivíduo
não tivesse acesso à Língua de Sinais, seria forçado a aprender a falar.
Itard treinou a articulação e restauração
da audição em alguns alunos da escola, o que para ele também restauraria a
fala, mas não obteve sucesso, pois percebeu que eles não o faziam de forma
natural.
O pesquisador atribuiu essa falha à Língua
de Sinais, que também era ensinada na escola. Os educadores adeptos à
metodologia defendida por Itard são conhecidos como oralistas e utilizam
argumentos parecidos aos de Itard para combater o uso de Sinais na Educação de Surdos
(MOURA, 2000).
A proposta de Itard convergia a um método
criado pelo pedagogo alemão Samuel Heinicke (1727 - 1790) que utilizava métodos
estritamente orais. O médico considerava que a prioridade no ensino da criança
surda era a linguagem falada e que a Língua de Sinais poderia prejudicar essa
aquisição. Porém, ele e seus seguidores utilizavam os sinais e o alfabeto
digital como instrumento para atingir a fala.
II. A
Educação de Surdos na perspectiva de duas abordagens pedagógicas
Segundo Oliveira (2012), o final da idade
moderna foi marcado por uma disputa entre o método adotado pelo Abade L’Epée,
que utilizava a Língua de Sinais na Educação de Surdos (método Francês), e o
método hoje conhecido como Oralista (método alemão), concebido pelo pedagogo
alemão Samuel Heinicke, que ensinou vários surdos a falar.
Paralelamente a L’Epée, destacou-se, na
França, Roch Ambroise Sicard (1742 - 1822), também abade, que fundou a Escola
de Surdos de Bordeux e, mais tarde,
sucedeu L’Epée na direção do Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, em
1790. Naquela época o número de professores surdos havia superado o número de
professores ouvintes atuantes na instituição.
Para Oliveira (2012), um fator que contribuiu
para o fortalecimento da mentalidade oralista foi a invenção da pilha
eletrônica, por Alessandro Voltta, em 1800. Em seus estudos, Voltta relatava a
estimulação elétrica dos ouvidos, ligando uma varinha a duas baterias
introduzidas no canal auditivo. E, assim, surgiram as primeiras próteses
auditivas manufaturadas na cidade de Londres, Inglaterra.
Em
1853, os britânicos Willian Wilde e Joseph Toynbee publicaram um tratado sobre
cirurgia do ouvido e outro sobre patologia do ouvido médio, conferindo
respeitabilidade clínica e científica à otologia (parte da medicina que se
ocupa do ouvido e suas doenças), com isso, o método francês de educar surdos
por meio da Língua de Sinais foi perdendo força, ao passo que a proposta
oralista foi ganhando adeptos e, no início do século XX, a maioria das escolas
de Surdos, em todo o mundo, abandonou o uso da Língua de Sinais e passou a
embasar todo seu trabalho na reabilitação da fala (OLIVEIRA, 2012).
III. A
Educação de Surdos discutida em âmbito internacional
Com o avanço das práticas pedagógicas com
alunos surdos, em 1878, foi realizado o I Congresso Internacional sobre a
Instrução de Surdos, na cidade de Paris, França.
Neste evento foram debatidos trabalhos e
experiências acerca dos trabalhos realizados com indivíduos surdos, como relata
Oliveira (2012):
Esse
evento foi cenário de acalorados debates a respeito das experiências e dos
trabalhos realizados até então, e dividiu as opiniões em dois grandes grupos.
Um, que defendia a importância do uso dos sinais na educação, e outro, que
afirmava que somente a instrução oral podia integrar o surdo na sociedade.
(OLIVEIRA, 2012, p.45).
Em, 1880, em Milão, foi realizado o II
Congresso Internacional sobre Educação de Surdos, que foi um marco histórico na
área da surdez, pois foi organizado por uma maioria ouvinte e oralista (apenas
3 dos 255 participantes eram surdos), com o objetivo específico de dar força de
lei às propostas de trabalho exclusivamente na modalidade oral na Educação de
Surdos. Oliveira (2012) apresenta as resoluções aprovadas, dentre elas,
destacam-se:
§ Os
governos deveriam tomar medidas para que todos os surdos recebam educação;
§ O
método que desenvolve a fala deve ter preferência sobre os gestos na instrução
e na Educação de Surdos;
§ Considerando que a utilização simultânea
dos gestos e da fala têm a desvantagem de prejudicar a fala, a leitura labial e
a precisão das ideias, o Congresso declara que o método oral puro deve ser
preferido;
§ Os
professores de surdos deveriam registrar seu trabalho a fim de divulgar suas
técnicas;
§ As
crianças surdas recém-admitidas nas escolas deveriam permanecer separadas das
mais velhas, que já utilizavam a Língua de Sinais, para que não fossem
“contaminadas" pelo método;
§ Concluiu-se que a comunicação dos surdos
deveria ser sempre por meio da fala, no diálogo entre surdos ou entre surdos e
ouvintes.
Mesmo após as resoluções do Congresso de
Milão, Lacerda (1998) afirma que, os métodos orais sofreram muitas críticas
porque apresentavam limites no aprendizado dos alunos. As palavras eram
ensinadas para crianças surdas de até um ano de idade, porém o contato com
essas palavras é descontextualizado, o que tornava a linguagem algo difícil e
artificial.
Além disso, Lacerda ressalta a
dificuldade, em termos cognitivos, do desenvolvimento de leitura labial em
crianças dessa idade. As críticas vinham, principalmente, de pesquisadores dos
Estados Unidos.
Na
década de 1960, surgiram estudos sobre as Línguas de Sinais utilizadas pelas
comunidades surdas. Segundo Lacerda, há relatos de que o pesquisador Willian Stokoe
(1919-2000), ao estudar a Língua de Sinais Americana (ASL), tenha encontrado
uma estrutura que se assemelhava àquela das Línguas Orais:
[...] (Stokoe) Argumentava que, assim como da
combinação de um número restrito de sons (fonemas) cria-se um número vastíssimo
de unidades dotadas de significado (palavras), com a combinação de um número
restrito de unidades mínimas da dimensão gestual (quaremas) pode-se produzir um
grande número de unidades com significados (sinais) (LACERDA, 1998, p. 68-80).
Oliveira (2012) explica que a perspectiva
oralista, da forma como foi apresentada no Congresso de Milão, foi modificando-se
com o tempo, conforme foram avançando pesquisas sobre a Língua de Sinais e sua
aceitação como código complexo e reconhecimento de língua genuína, partindo,
assim, para uma nova proposta pedagógica conhecida como Comunicação Total,
metodologia que se baseia na utilização da fala, leitura labial, Língua de
Sinais e alfabeto manual.
Na década de 1980, surgiu a proposta de
uma Educação Bilíngue, que defendia o uso de duas línguas no contexto escolar,
a Língua de Sinais como língua materna do Surdo e a Língua Oficial do país (de
origem do surdo) como segunda língua, a qual, nos dias de hoje, está inserida
nos processos pedagógicos escolares. No bilinguismo, assume-se que o surdo
aprenda, preferencialmente, a língua na modalidade escrita.
IV. Perspectiva da Educação de Surdos no
Brasil
O desenvolvimento da Educação de Surdos no
Brasil surge em 1857, quando D. Pedro II apoia o francês Eduard Huet a fundar o
primeiro instituto para indivíduos surdos no país, na cidade do Rio de Janeiro,
o INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos), inicialmente chamado de
Collégio Nacional para surdos-mudos (INES, 2015).
A proposta de Huet baseava-se no método
francês, ou seja, na utilização da Língua de Sinais e Escrita, por isso,
inclusive, a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) sofreu grande influência da
Língua de Sinais francesa. O estímulo da fala e leitura labial eram utilizados
apenas com alunos surdos que apresentassem aptidões de desenvolver a linguagem
oral.
Segundo Oliveira (2012), o Instituto foi
fundado em paralelo à aprovação da Lei n. 939, que designava verbas para
manutenção das atividades e pensão anual aos dez alunos que o governo imperial
admitiu no Instituto. Oliveira (2012) relata, ainda, que em
1862, Huet foi substituído por Dr. Manuel de Magalhães, que, por não ser
especialista na área, acabou comprometendo o atendimento aos surdos, o que
resultou na transformação do Instituto, de escola para um asilo para surdos, acarretando
um retrocesso intelectual acerca do tema.
Em 1911, sob influência da Europa e
seguindo a tendência determinada pelo Congresso de Milão, o Instituto e as
demais escolas para surdos que surgiram nesse período passaram a assumir o
oralismo, reestabelecendo os trabalhos com a articulação da fala e leitura
labial (OLIVEIRA, 2012).
Em,
1916, a Lei brasileira n. 3.071 (Código Cívil Brasileiro) estabeleceu que os
"surdos-mudos" seriam considerados pessoas absolutamente incapazes,
pois não podiam exprimir suas vontades (BRASIL, 1916).
Rocha apud INES (2013) compreende a
influência das determinações do Congresso de Milão na Educação de Surdos no
Brasil da seguinte forma:
Uma
coisa é o debate, outra coisa é a realidade. Existe ai um fosso entre o debate
que se trava e o cotidiano de uma instituição só de surdos.
Então,
inconcebível a gente pensar, um cotidiano com tantos surdos juntos, mesmo que a
orientação em alguns poucos momentos, fosse a aquisição de linguagem oral e
fala, de modo que esses alunos não pudessem conversar com a Língua de Sinais.
(ROCHA
apud INES, 2013, vídeo).
Segundo a autora, a experiência de método
oral puro como “a melhor condução para a Educação de Surdos” era apenas no
âmbito da sala de aula, pois, nas oficinas, no campo, no internato e no dia a
dia, os surdos do INES sempre se comunicaram com a Língua de Sinais.
Além disso, como o INES recebia alunos
surdos do Brasil inteiro, a aprendizagem da Língua de Sinais acabou sendo
disseminada em todo território nacional, o que intensificou seu uso.
Albres (2005) afirma que mesmo para os
professores do INES, a Língua de Sinais foi, por muito tempo, considerada
mímica e gestos. E esse pensamento só se modificou após a divulgação das
pesquisas de Stokoe, na década de 1960.
Apenas na década de 1980, pesquisas de
vários linguistas, dentre eles, Lucinda Ferreira Brito, abordaram a proposta do
Bilinguismo no contexto escolar. Sendo considerada a Língua de Sinais como
primeira língua e a segunda língua o idioma português.
O cenário não mudou apenas
para os indivíduos surdos. No ano de 1989, com a criação da Lei n. 7.853/89,
que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência[4], sua
integração social e dá outras providências, as pessoas com deficiência passaram
a ganhar maior espaço na luta por seus direitos básicos como educação, saúde,
trabalho, e lazer (BRASIL, 1989).
V. A Declaração de Salamanca
Em junho de 1994, foi realizada a
Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, na cidade
espanhola de Salamanca, promovida pelo governo espanhol em colaboração com a
Unesco.
A Declaração de Salamanca trata de
princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais,
e também aponta princípios da educação especial e de uma pedagogia centrada na
criança.
A inclusão de crianças, jovens e adultos
com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino foi
a questão central da Conferência de Salamanca. O Encontro, ainda, vinculou
propostas, direções e recomendações da Estrutura de Ação em Educação Especial,
um novo pensar em educação especial, com orientações para ações em nível
internacional e em níveis nacional e regional.
Segundo Pacievitch (2013), o conjunto de
recomendações e propostas da Declaração de Salamanca, é guiado pelos seguintes
princípios:
§ Independente das diferenças individuais, a
educação é direito de todos;
§ Toda criança que possui dificuldade de
aprendizagem pode ser considerada com necessidades educativas especiais;
§ A escola deve adaptar-se às
especificidades dos alunos, e não os alunos às especificidades da escola;
§ O ensino deve ser diversificado e
realizado num espaço comum a todas as crianças.
A Declaração de Salamanca repercutiu de
forma significativa, sendo incorporada às políticas educacionais brasileiras
(Pacievitch, 2013).
VI. A LIBRAS e o reconhecimento legal da
comunicação da comunidade surda brasileira
Segundo o INES (2015), no ano de 1993, um
projeto de Lei deu início a uma longa batalha de legalização e regulamentação
em âmbito federal que, após longa luta da comunidade surda brasileira, em 24 de
Abril de 2002, é sancionada a Lei n. 10.436, que dispões sobre a LIBRAS (Língua
Brasileira de Sinais) como um componente curricular obrigatório nos cursos de
formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e
superior, e nos cursos de fonoaudiologia, além de regulamentar a profissão de
tradutores-intérpretes de LIBRAS, e provendo, assim, atendimento educacional
aos surdos em idade escolar.
Essa lei foi regulamentada através do
Decreto nº 5.626/2005 (BRASIL, 2005), que também garantiu aos surdos o uso e
difusão da LIBRAS (anexo 02). Além de estabelecer critérios para o ensino de
alunos surdos no país, nomear, especificar formação e caracterizar funções dos
profissionais da educação bilíngue (Ensino de LIBRAS e Língua Portuguesa).
Quanto à Educação de Surdos na atualidade,
Lacerda (2006) relata que pesquisas desenvolvidas no Brasil e no exterior
indicam que surdos escolarizados apresentam competência acadêmica muito aquém
do desempenho dos alunos ouvintes, embora suas capacidades cognitivas
mostrarem-se semelhantes. Para a autora, sobre o conhecimento da Lei
10.436/2002 e o Decreto 5.626/2005, afirma que:
A
questão das dificuldades de comunicação dos surdos é bastante conhecida, mas,
na realidade brasileira, (...) este conhecimento não tem sido suficiente para
propiciar que o aluno surdo, que frequente a escola de ouvintes, seja
acompanhado por um intérprete. Além disso, a presença do intérprete de Língua
de Sinais não é suficiente para uma inclusão satisfatória, sendo necessária uma
série de outras providências para que este aluno possa ser atendido
adequadamente: adequação curricular, aspectos didáticos e metodológicos,
conhecimentos sobre a surdez e sobre a Língua de Sinais, entre outros. (LACERDA,
2006, p.175)
Em outras palavras, do ponto de vista
educacional da inclusão, o aluno surdo é inserido no ambiente escolar, tendo
igual acesso a um aluno ouvinte. Mas, não podemos nos esquecer que a escola
como conhecemos é constituída de práticas orais e visuais, que utiliza de
recursos que, muitas vezes, exclui a pessoa com deficiência.
Desse modo, pela defasagem auditiva, a
criança surda enfrenta dificuldades para entrar em contato com a língua do
grupo social no qual está inserida, apresentando um atraso de linguagem que
pode trazer consequências emocionais, sociais e cognitivas, mesmo que realizem
aprendizado tardio de uma língua (Lacerda, 2006).
Considerações finais
Este artigo pretendeu organizar e
documentar, de forma breve e sistematizada, a história da Educação de Surdos no
Brasil e no mundo. Percebeu-se em todas as épocas, que estudiosos do assunto
apresentaram opiniões divergentes sobre a surdez e a possibilidade de educação
de indivíduos surdos. As discussões sobre o assunto apresentam-se divididas
entre duas abordagens pedagógicas principais: o oralismo e a Língua de Sinais
(bilinguismo).
Segundo Brasil (2006), a proposta bilíngue
traz grande contribuição para o desenvolvimento da LIBRAS como uma língua, além
disso, o bilinguismo favorece o desenvolvimento cognitivo e chama a atenção
para o aspecto da identificação da criança com seus pares, o que lhe permite
construir sua identidade por compreender sua diferença (o não ouvir).
A Língua de Sinais sobressai porque é
parte integrante de uma cultura, cuja comunidade, por falta da audição, utiliza
de observações para uma aprendizagem visuoespacial.
Para Lacerda (1998), a leitura labial é
muito difícil, principalmente para uma criança surda profunda, mesmo que
utilizando prótese auditiva. O treinamento da fala é organizado de maneira
formal, artificial, com o uso limitado da palavra restringindo, assim, o
desenvolvimento global da criança.
Como relata Lacerda (2006), a inclusão não
envolve apenas a surdez, mas refere-se a uma reflexão mais ampla da sociedade,
que busca melhor se relacionar com sujeitos de outra cultura. Esse é um tema
muito debatido atualmente e que busca refletir sobre o que ela chama de
"normas adequadas de convivência".
Dessa forma, oralismo e Língua de Sinais
(bilinguismo) representam também a forma como a sociedade atual entende por
aceitar os indivíduos surdos como um grupo que possui diferenças linguísticas e
de identidade e cultura que devem ser incluídos em um grupo na comunidade
predominante.
A HISTORICAL
OVERVIEW ABOUT DEAF EDUCACION: GREEK UNTHINKING TO THE FIGHT FOR THE RIGHT TO
BILINGUAL SCHOOL
ABSTRACT: Through history,
the possibilities for Deaf Education involved two pedagogical approaches that
are discussed until nowadays: Oralism and Sign Language (Bilingualism). This
article is a bibliographic and documentary research about deaf history, from
ancient civilizations to the current struggles from deaf community to spread
their culture, from Sign Language and the right to access public bilingual
teaching of quality.
KEYWORDS: Deaf
students Education; Special Education; Education.
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em 07 de junho de 2015.
[1] Professora
Interlocutora de Libras da Secretária da Educação do Estado de São Paulo – SEE; São José do Rio Preto – SP- Brasil. Graduada em
Licenciatura em Matemática pela Universidade Estadual Paulista – UNESP;
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – IBILCE.
[2] Universidade Estadual Paulista- UNESP;
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas- IBILCE; Departamento de
Educação; São José do Rio Preto –SP- Brasil.
[3]
Na Contemporaneidade, o termo “surdo-mudo” foi substituído por “surdo”, uma vez
que, a perda ou ausência de audição não está vinculada ao potencial da fala do
indivíduo. (RAMOS apud STROBEL, 2008b, p. 34)
[4]
O Conselho Nacional da Pessoa
com Deficiência (CONADE) definiu através da Portaria nº 2.344, de 3 de novembro
de 2010, a atualização do termo "portadores de deficiência" para
"pessoas com deficiência" (BRASIL, 2010).
Parabéns pelo alcance da pesquisa. Ainda não havia lido um trabalho tão permeado de indicações bibliográficas e aspectos pedagógicos experimentados na história da surdez. Márcia Santos (Bibliotecária e servidora da UFPA)
ResponderExcluirO Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência (CONADE) definiu através da Portaria nº 2.344, de 3 de novembro de 2010, a atualização do termo "portadores de deficiência" para "pessoas com deficiência" (BRASIL, 2010).
ExcluirMuito obrigada Márcia!
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